segunda-feira, 18 de junho de 2007

Pelados outra vez

Retirado do site da Revista Época

Duas décadas depois do primeiro contato efetivo com os brancos – e com os vírus da civilização –, os índios zoés retomam hábitos tradicionais e crescem

A etnia dos zoés, uma das últimas tribos isoladas do Brasil, dá sinais de vitalidade e deixa o risco de extinção cada vez mais longe. Atualmente, a população da tribo, localizada no noroeste do Pará, é de 222 pessoas, segundo o último levantamento da Fundação Nacional do Índio (Funai). O melhor indício da recuperação é que metade do grupo tem menos de 20 anos. O motivo da recuperação, porém, virou objeto de controvérsia entre um grupo de missionários evangélicos e o governo. A Funai atribui à Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB) 37 mortes em decorrência de gripe, doença para a qual os índios não têm resistência. A MNTB instalou-se na região em 1987, com o objetivo de evangelizar os índios zoés, e afirma ter tido papel fundamental na perpetuação da tribo ao tratar de doenças endêmicas, como a malária.

Metade da população zoé tem menos de 20 anos

Segundo a Funai, em 1991, ano em que a Missão foi retirada da tribo, existiam 131 índios remanescentes. "Os zoés falam que algumas dezenas morreram de tosse", afirma Sydney Possuelo, coordenador de Índios Isolados da Funai.

A MNTB nega as mortes. "Nunca vi um índio morrer de gripe no período em que estive lá", diz Edward Gomes da Luz, presidente do conselho-geral da Missão. Não seria a regra. Em geral, alguma mortalidade existe, mesmo nas melhores condições de saúde. De acordo com o missionário, a população zoé já era de apenas 119 pessoas em 1987. "Depois de nossa chegada, a aldeia que estava sendo dizimada a 10% ao ano passou a crescer 10%", afirma Edward. Ele acredita que as mortes por doenças bronco-pulmonares teriam sido causadas pela entrada de cineastas e pesquisadores levados pela Funai após a saída da Missão, em 1991.

A controvérsia foi parar na Justiça, que arquivou o processo por falta de provas. Mas a polêmica não terminou. Com a retirada da MNTB, a Funai instalou uma frente de proteção etnoambiental. Fornecendo aos poucos mais informações sobre a sociedade, espera-se que os zoés estejam mais preparados para a integração. Mas a Funai diz que os missionários estariam novamente na área. "Eles estão tentando se estabelecer nos limites da terra indígena para ficar acenando com calça, com a Bíblia", diz Possuelo. "Se isso estiver acontecendo, não tem nada a ver conosco", rebate Edward.

De acordo com o procurador da República em Santarém, Gustavo Nogami, que esteve na tribo em meados de abril, existem rastros de acampamentos e desmatamento nos limites das terras zoés. O Ministério Público Federal ainda não identificou o grupo que estaria no local - também poderiam ser frentes de expansão para o cultivo de soja ou devido à retomada das obras da BR-163. Mas, segundo Nogami e João Carlos de Souza Lobato, chefe da frente de proteção, os próprios zoés dizem que são os missionários da Novas Tribos. Edward é categórico: "Nenhum funcionário da MNTB pisou na área indígena de Cuminapanema de 23 de outubro de 1991 até a presente data".

Outro ponto de discordância é a intenção da Missão de evangelizar os índios. "Essa ação parte do pressuposto de que somos superiores", acredita Possuelo. Para Edward, "O Evangelho do Senhor Jesus Cristo é para toda cultura". A MNTB rechaça a acusação de impor outra cultura à tribo. A Missão teria ajudado a perpetuar a língua zoé ao alfabetizá-los nela. Quanto à Bíblia, os índios estariam sendo apresentados e poderiam exercer seu direito de escolha, aceitando-a ou não. "Isso é uma hipocrisia", rebate Possuelo. "Nós chegamos com uma parafernália técnica infinitamente superior, a tendência deles é querer se transformar no que são os seus dominadores."

Roupas, facas e lanternas passaram a fazer parte do cotidiano dos zoés, que antes faziam recipientes de cerâmica e usavam ossos de crânio de macaco como colher. Costumes como a nudez e a poligamia teriam sido condenados pela Missão. Segundo Possuelo, com a retirada dos missionários, os zoés voltaram a suas malocas, que haviam abandonado para ficar perto da base da Missão, a dois dias de caminhada da área de circulação dos índios. Também foram retirados alguns dos objetos introduzidos pelos brancos, como panelas e roupas. "Ganham roupa, mas não ganham sabão. Aquilo vira um ninho de bactérias", diz Possuelo.

O caso do povo curioso pelos "kirahi" - como os zoés chamam os brancos - parece estar longe do fim. A Missão não aceitou sua retirada da área e pleiteia até hoje o retorno à tribo. "Continuamos tentando derrubar por meios legais o mandado de segurança que nos mantém afastados."

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