Publicado no site O Estado de São Paulo
Domingo, 23 setembro de 2007
por Pedro Doria
Estrela de ‘High School Musical’ clicou-se para o namorado e foi parar na rede. A tecnologia pôs fim à privacidade
Na fotografia, Vanessa Hudgens está nua. De pé, seus longos cabelos negros para trás, ela sorri. Não é a melhor das fotos: um quê desfocada, pouco iluminada, o cenário é um quarto bagunçado. Ela tem 18 anos, fará 19 em dezembro. É a estrela de High School Musical, o telefilme que se tornou o maior sucesso recente dos Estúdios Disney. O álbum com a trilha sonora foi o disco mais vendido de 2006. High School Musical 2 estreou em agosto. Uma versão para o cinema está para ser lançada.
Mas agora a atriz favorita das pré-adolescentes está nua na internet. A foto amadora, tirada para o namorado com uma câmera digital, vazou ninguém sabe explicar bem como.
“Gostaria de me desculpar perante meus fãs, cujo apoio e confiança significam tudo para mim”, declarou Vanessa numa mensagem por escrito. “Estou envergonhada por conta dessa situação e me arrependo de ter tirado essas fotos.” Em 2004, quando um dos seios da cantora Janet Jackson apareceu disfarçadamente e de longe durante um concerto transmitido ao vivo, ela foi obrigada a pedir desculpas públicas inúmeras vezes enquanto ia perdendo patrocinadores e contratos para shows e participações em séries de TV.
Vanessa se desculpou uma única vez e, quando ficou claro que nenhuma onda de críticas viria, a Disney aceitou suas desculpas, encerrando o caso.
“A internet nos deixou mais confortáveis com a nudez”, diz o professor Paul Levinson, chefe do departamento de comunicação da universidade jesuíta Fordham, de Nova York. Para ele, a ampla disponibilidade de câmeras digitais e acesso de banda larga à rede produzirá cada vez mais imagens de pessoas nuas, sejam famosas ou não, que terminarão acidentalmente online. Ficarão tão comuns nos próximos anos que deixarão de chocar por completo. “Nossos cérebros são programados para querer ver pessoas do sexo oposto nuas”, ele sugere. “Considero quem reclama da nudez dos outros um grupo de fanáticos e vejo, pelos meus alunos, pelos meus filhos, que as gerações mais jovens tendem a concordar comigo.”
Se, dessa vez, não despertaram a ira de colunistas conservadores que cobram das estrelas bons exemplos, certamente as fotografias fizeram sucesso na rede. O nome de Vanessa deve terminar setembro como o mais buscado no Google durante o mês. Desde que aquela única imagem veio à tona, foram divulgadas também outras da série, nas quais aparece parcialmente vestida. E os sites especializados em fofocas estão numa caça desenfreada por mais imagens.
A Disney é considerada um dos estúdios de cinema mais pudicos e não à toa: como lida diretamente com crianças e adolescentes mais jovens, está sob a constante vigilância da imprensa conservadora americana. Se, para o estúdio, o episódio é tenso, a história das fotos que vazaram para a rede de Vanessa Hudgens não é única - trata-se apenas do episódio mais recente.
Há algumas semanas, caíram na internet fotos tiradas por um paparazzo da atriz britânica Sienna Miller numa praia européia. Fotos pessoais que vazaram ou que foram pescadas por fotógrafos em praias ou casas com muros altos, nos últimos anos, capturaram Uma Thurman, Gwyneth Paltrow, Alyssa Milano e a cantora francesa Vanessa Paradis. Não são novidade - até Jacqueline Kennedy Onassis foi flagrada nua por um fotógrafo indiscreto, nos anos 1970. A diferença é a internet, que amplia a distribuição das imagens e contribui para que seja impossível apagá-las.
No início do mês, aconteceu com a atriz brasileira Nathália Rodrigues, da TV Record. “Deixa o fotógrafo ser feliz com o dinheiro que ele ganhou”, sugeriu Nathália a um dos sites de fofocas da rede. E deu de ombros. Ela estava na Praia do Abricó, dedicada ao nudismo, no Rio.
“A cultura da internet vai se desenvolver de uma forma que é difícil prever”, diz cautelosa a professora Ruth Barcan, antropóloga da Universidade de Sydney, na Austrália. Ela, que escreveu Nudity, a Cultural Anatomy - Nudez, uma anatomia cultural - não vê a situação como Levinson. Se é verdade que a rede tornou a disponibilidade da nudez mais ampla e usual, não quer dizer que ela tenha se tornado mais aceitável.
Para ela, não é a internet mas sim a própria cultura que vem, nas últimas décadas, ampliando a representação da nudez. Isso não se traduz em maior aceitação do corpo. “Hábitos sexuais são mais tolerados, imagens de nudez mais comuns”, ela diz, “mas a cultura também nega o corpo, ao afirmar que ele só é aceitável após passar por transformações, como o uso do desodorante, cirurgias plásticas ou tintura de cabelo.”
High School Musical é a adaptação para uma escola secundária de Romeu e Julieta. Vanessa faz a boa aluna de física que se apaixona pelo astro do time de futebol americano - e, como cabe às velhas narrativas de Hollywood, seu namorado na vida real é o ator Zac Efron, com quem contracena. Perante o comportado romance adolescente - que até parece nascido duma campanha de marketing -, as fotos pessoais destoam.
“Não podemos nos esquecer que a internet é muito diversa”, diz a professora Barcan. “Então o tipo de nudez nela varia muito, da arte mais sofisticada à pornografia mais grosseira.” No amplo inventário da nudez online, cada vez mais é comum aquilo que Vanessa fez: a jovem moça que posa para seu namorado. É comum a toda sua geração, que cresceu online, habituada a tecnologia. E é um hábito universal.
O New York Times já registrou jovens casais de países repressores, como o Irã, que mal podem se ver pessoalmente, mas se expõem um para o outro em conversas filmadas por webcams, isolados cada um em seu respectivo quarto. No Brasil, há sites especializados em “fotos de namoradas”, de universitárias, que vêm à tona num ritmo semanal.
Nesse sentido, as fotos que Vanessa tirou um dia, protegida em seu quarto, para enviar ao namorado por e-mail, a tornam uma legítima representante de sua geração. “Todo mundo terá a sua foto nu”, diz Farhad Manjoo, comentarista da revista eletrônica Salon. “E essa foto vai parar na web. Com o tempo, reconheceremos tais imagens como nada mais do que a prova de uma vida vivida ao máximo.”
Talvez. Autor de The Transparent Society - A sociedade transparente -, o futurista David Brin vê diferentemente. A tecnologia, diz ele, eliminou qualquer possibilidade de haver privacidade. Só isso. Teremos que nos habituar.
quarta-feira, 26 de setembro de 2007
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