quinta-feira, 3 de novembro de 2005

Topless - Ainda polêmico, infelizmente

Este texto foi um dos comentários escritos no site Observatório, do Último Segundo, após as três maiores revistas informativas semanais brasileiras, Veja, Época e IstoÉ, publicarem na última semana de janeiro deste ano, matérias sobre o "boom" do topless no verão carioca.


A mídia banalizou
Cláudia Rodrigues(*)

É muito raso, de maneira geral, o que se vê, lê e ouve sobre o direito da mulher de expor seus seios em público. No Brasil, independentemente de ser legal ou ilegal, seios de fora só representam sexualidade para as principais revistas e jornais brasileiros, que gastaram uma semana polemizando sobre um assunto sério sem oferecer conteúdo suficiente para reflexão.

Por má sorte ou falta de competência, as brasileiras herdaram o pior do feminismo americano, cheio de dureza e falta de feminilidade, um feminismo que se orgulha de fabricar distanciamentos que tornam as mulheres incapazes de aceitar as principais e mais importantes condições do ser feminino.

A imprensa, com toda a polêmica, não conseguiu sair dos porões da vaidade que pulsa dentro e fora dela. Em vez de aproveitar a ocasião para ampliar o debate e o conhecimento das pessoas, embruteceu ainda mais as pautas com questões menores.

Cirurgia é indústria

Não apareceu viva alma para falar que o topless não é apenas mais uma maneira para a mulher usar o corpo como arma de sedução, mas um direito de lidar com o seio de forma pacífica, sem subjugá-lo ao uso de sutiãs e principalmente a cirurgias desnecessárias. Topless é liberdade para o peito primitivo das mulheres, um peito que quando se esconde ou se traveste de menor ou maior do que é perde o seu lugar mais importante: sentir prazer e produzir leite.

Na república das bananas com cobalto, ter peito de verdade, sensível, que produz leite com hormônios humanos – específicos para desenvolver a inteligência e o crescimento adequado dos bebês – é o que menos importa. Esses seios livres, plenamente dispostos a amamentar, proporcionam também sensações sexuais de prazer inigualáveis, para quem os possui principalmente, não importando idade, tamanho ou formato.

Cirurgias plásticas, que deveriam servir para atenuar mutilações que a própria medicina criou como método ideal – criatividade cartesiana – de extirpar o câncer de mama, são feitas no Brasil, em larga escala, em senhoritas que sequer pariram.

Abaixo o aperto

Faltou perguntar se a Sociedade Brasileira de Medicina não estaria com as rédeas muito soltas nessas cirurgias. Faltou perguntar por que os médicos optaram pela pesquisa de câncer extirpando seios em vez de estudar substâncias que poderiam excretá-lo; afinal, o seio tem buraquinhos para liberar líquidos. Não é o que está sendo feito, mas como foi pensado em sua origem que interessa agora.

E o que o topless tem a ver com isso? O topless, ao contrário da forma como foi abordado, é um procedimento nada exibicionista e muito saudável. É mais do que andar sem o top do biquíni na praia. É andar sem sutiã, sem blusa apertada e provocante de la femme de papa. Quem disse que usar sutiã e roupa apertada faz bem para a saúde dos seios das mulheres?

É alto o preço dessas vaidades, dessa mulher pré-fabricada que grande parte das revistas e programas femininos não cansa de promover. Entre outras coisas traz títulos tristes para o Brasil, como o alto índice de cesarianas e de desmames precoces. Tudo porque a luxúria, levada aos extremos, como é aqui, trabalha contra o corpo feminino como um todo integrado, violentando as condições primárias – e não por isso menos importantes – da mulher.

Até o Verissimo

Tudo pela imagem a ser apresentada à sociedade, e nada para o prazer genuíno dos peitos das brasileiras, seja no sexo ou na maternidade. E o mais triste é que se a moda do topless pegar só teremos a lamentar, porque o peito de fora no Brasil será apenas um meio a mais para sexualizar, de forma pervertida, o corpo humano feminino, que não deveria ser motivo de vergonha, por certo, e menos ainda de vaidade em grau tão alto.

Pintou topless na praia, vêm logo a polêmica e suas questões menores.

Até o Luis Fernando Verissimo, com todo o respeito, se perdeu na jogada, e saiu falando sobre garantia de qualidade para seios à mostra, referindo-se a estética. Desculpe, conterrâneo, foi só uma gauchada passageira.

Pobres menininhas

Para todo lado a questão do topless fica centrada na vaidade ou no tal pudor, cada vez mais sem nexo e ridículo diante da realidade, totalmente moralista e mascarada, do uso indiscriminado do seio como objeto de desejo sexual. Cada vez mais objeto e menos desejo, ou será que ninguém sabe que um peito que sofreu plástica pode perder parte ou toda a sensibilidade? E porque isso é tão triste, tão desolador, a medicina deveria urgentemente buscar formas menos invasivas de tratar o câncer de mama. O topless não é uma questão de vaidade. Está muito longe desse olhar clínico, frio e estético-segmentado.

No nosso país é mais fácil uma mulher ter vergonha de amamentar um bebê em público ou trocar a blusa na praia do que exibir a última cirurgia plástica usando roupitas provocantes. O que é moral? O que é imoral? O que deveria, afinal, ser amoral?

A onda "tire-me o top que eu sou vaidosa demais para tirar", escondida em sutiãs, decotes e roupas sedutoras é aceita como algo absolutamente natural; e o que deveria ser amoral, uma relação pacífica com os seios, vira sexualização precoce incutida em menininhas de 4 ou 5 anos. Que pobreza de educação para as pequenas!

Direitos a conquistar

Como se pode esperar das mulheres uma relação íntima com o corpo, que façam auto-exame, se esses seios não pertencem a elas, mas à sociedade arcaica, que as ensina a usar os próprios seios como objeto, como arma de sedução?

Como se pode querer que uma mulher amamente seus bebês, sem problemas de mastite ou rachaduras, com tanta mitificação a essa parte tão importante do corpo?

A função biológica principal dos seios é produzir leite, mas deixar-se ordenhar por um bebê, ajudá-lo a tirar o leite que precisa, pode ser bem complicado quando a mãe já entra na relação de nutriz com vaidade. Por ser uma herança biológica muito antiga no desenvolvimento evolutivo, amamentar exige sentimentos e atitudes que respeitem um mínimo de primitividade.

A vaidade, com essa coisa de silicone, sutiã que amassa, levanta, estica, gruda, provoca e seduz, acaba invadindo – de uma forma que as tias feministas chamariam de machista – o território da mulher como um ser com livre arbítrio.

Andar sem a parte de cima do biquíni na praia, deixar o peito boiar na água, não usar sutiã, ir fundo nas sensações sexuais que o peito proporciona, sentir prazer em amamentar – deixando que o bebê escolha a hora de parar quando se sentir seguro – são direitos a ser conquistados pelas brasileiras, ainda.

Enquanto se distanciam desses direitos femininos, tão bem representados pelo topless, e encaram o peito de fora na praia com olhar sexualizado, luxurioso, obsceno, perverso, brasileiros e brasileiras também fazem outras escolhas, como a esdrúxula compensação que aniquila o prazer em nome da imagem.

(*)Jornalista em Manguinhos, ES


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Um comentário:

teko disse...

Ótima a reportagem da jornalista Cláudia Rodrigues. Acho que o texto deveria ser profundamente divulgado como forma de dismistificação e incentivo a prática do topless e até mesmo do nudismo.
Vivo já a algum tempo fora do Brasil e o que mais me deixa triste é que em alguns assuntos o nosso país não evoluiu, simplesmente parou no tempo ou retrocedeu.
Um abraço e continuem com este belíssimo blog.