Matéria realizada pelo repórter Pedro Dória, do site no mínimo.
Um ano para tirar a roupa
Tuca chegou da Espanha em meados de 1995. Tinha 46 anos, estava cansado de tudo. Mal falava com a filha, já com mais de 20, cria de um namoro que desandou – na verdade, pai ausente, jamais a conheceu direito e, quando finalmente a procurou, ela não queria muita conversa. "Até hoje, parece que há uma barreira entre nós." Seu casamento também descarrilava, a mulher tinha planos, queria ser juíza. E Tuca era um porra-louca sem rumo.
Na pilha de cartas que encontrou à porta de seu apartamento, em Porto Alegre, sacou a do amigo Celso. "Comprei uma área na Taquara para um clube", ele dizia, "vem conhecer, vem trabalhar comigo". Encontrou um nada: 600 mil metros quadrados a 50 quilômetros da capital gaúcha, 200 metros acima do mar, arames farpados, plantação de cebolas e gado magro. Fincou sua barraca de camping, voltou na semana seguinte para nunca mais sair.
Celso Pinto e João Ubiratan dos Santos, o Tuca, já tinham história. Dez anos antes, em 85, fizeram da Praia do Pinho, em Santa Catarina, o primeiro reduto naturista do Brasil. Era ilegal, na época. Mas quando os comboios policiais apareciam lá longe, rapidamente vestiam roupas para impedir a prisão. Tanto insistiram que o Pinho foi liberado. "Quando o Celso me escreveu", ele lembra, "eu tinha que apostar, você não o conheceu, mas ele era esse tipo de pessoa. Este era o empreendimento dele, o olhar dele. Joguei todas minhas economias aqui."
A Colina do Sol abriu para sócios em agosto de 95. A idéia é que fosse um clube para naturistas passarem o verão, os fins de semana, um lugar onde pudessem ter uma casinha de campo, não mais que 100 metros quadrados, de todo ecologicamente correta. No início, usavam madeira de reflorestamento crua, o que jogava para baixo o preço de construção. Os empregados do clube deveriam ser também naturistas. Tinha de ser um lugar fechado, protegido.
Aos 34 anos, nunca passara pela cabeça de Etacir Manske tirar a roupa em público. Criou-se em Águas de Chapecó, interior de Santa Catarina, de onde saiu aos 21 anos para Mato Grosso, de lá pegou o caminho de Rondônia, conseguiu emprego público, casou, teve uma sorveteria na Bahia, descasou, foi parar no Rio Grande do Sul vendendo equipamento fotográfico. Uma namorada naturista deu para freqüentar a Colina, ele achava estranho. Então, ela teve um sonho – "te vi lá", disse, ao que ele respondeu: "trabalhar pelado? Tá louca?"
No 10 de abril, em 96, Eta chegou, caía um temporal desgraçado. Trabalhou com Tuca um bom tempo, na implantação da área de camping da Colina – e viveu em barraca um bocado. Só dois anos depois, parou para construir a própria casa. E encontrou outras coisas para fazer. Na comunidade próxima, Morro do Céu, reuniu um grupo de meninas para formar um time de futebol que se pôs a treinar.
E os sócios vieram. Moradores de Porto Alegre, São Leopoldo, gente de mais longe até, que decidiam comprar casas. Para organizar o empreendimento, Celso e sua mulher, Paula Andreazza, optaram por um sistema de concessões. Cada pessoa podia escolher ser sócia do clube, comprar um título de propriedade com direito a terreno, ou uma concessão de serviço – o mercado, manutenção de bicicletas, telefonia, transporte. Formaram uma empresa para erguer um grande hotel.
Luiz Marcio de Rosa Melo não conhecia a filha. Chefe de segurança de um shopping em Porto Alegre, saía tão cedo que Yanka ainda dormia e chegava tão tarde, de ônibus, que ela já adormecera. Yan, o mais velho, tinha só dois anos. Um dia, numa rodoviária, seu pai soube da Colina. Ouviu dizer que era em Taquara, saltou do ônibus, andou quatro quilômetros morro acima e negaram-lhe a entrada – homem sozinho não podia. Empreiteiro, voltou no final de semana seguinte com a mulher. No terceiro, trouxe o filho, foram contratados para erguer uma cabana. Logo que a primeira terminou e outras encomendas vieram, Marcio mudou-se com a mulher, Tati, e as crianças. Seus móveis eram tão poucos e baratos que nem valeu o transporte. Em sua casa, no início, havia colchões e só.
Para ele, foi mais fácil; em quatro dias, tirou a roupa. "Lá em casa, do jeito que fui criada", lembra Tatiane Oliveira, "não me despia nem na frente da minha mãe." Como o marido, conseguiu trabalho na Colina – seis dias por semana, punha-se na guarita da entrada, onde roupa era obrigatória. Demorou um ano, vivendo entre gente nua, até um dia de verão a pino de 1998. "Aí quando decidi tirar, 'hoje tá calor, hoje vou me liberar', uma moça gritou 'Tati, tu tá nua!', me enrolei na canga e custou mais uma semana."
A experiência valeu, ela ainda trabalha na recepção e recebe os novos visitantes amarrada numa canga. "Eles chegam, 'mas, bá, só vim conhecer', e eu digo 'claro', mostro o lugar e vou sentindo como vêem e aí, lentamente, desamarro, vou me despindo, e, quando você vê, eles passam o fim de semana, vêm no outro, ficam sócios, querem também uma casa."
Cabanas construídas com madeira de reflorestamento
Próxima parte - Da utopia à realidade
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2005
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