quinta-feira, 10 de fevereiro de 2005

Parte III - Da utopia à realidade

Matéria realizada pelo repórter Pedro Dória, do site no mínimo.





Da utopia à realidade



"Cara", diz Tuca, "eu vim morar aqui com 70 anos de idade e hoje tenho 56." No peito, desenha-se uma tatuagem talvez de águia, difícil de reconhecer, esverdeada, esmaecida pelo tempo. O cavanhaque é um filete sem bigode, careca com um longo tufo de cabelo que nasce da nuca e desce até os ombros, ele gesticula de sua rede no camping. "Isso aqui é minha regeneração. E cuido mesmo, tem gente que joga ponta de cigarro no chão, eu grito. Isso aqui é minha casa, tem cara de lixeira?"



Não há lixo no chão da Colina. As raras pontas de cigarro, os moradores recolhem-nas mal-humorados e tascam numa das manilhas largas que de tantos em tantos metros servem de latas de lixo. Lá, no vídeo que os visitantes assistem com introdução às regras, alertam para quem "ainda fuma". Vários dos moradores ainda fumam. O lugar é arborizado, no mato ouve-se barulho de bicho a toda hora, preás atravessam as ruas, gaviões ganem de árvore em árvore e, quando o céu está limpo, dá para ver cada estrela que a luz noturna da cidade esconde.



A primeira utopia a ruir foi a dos empregados. A Colina não pôde se desligar da comunidade carente próxima, e nem todos de Morro do Céu mostraram-se dispostos à nudez. O clube empregou, mas teve de habituar-se, durante as semanas, à companhia de gente vestida. A segunda utopia a cair foi a das construções biodegradáveis. Com o passar dos anos, as casas, sem cimento nas fundações, começaram a afundar. Os telhados, de madeira sem tratamento, apodreceram. Marcio viu-se obrigado a desenvolver uma técnica, erguendo as cabanas com macacos hidráulicos, injetando pilares de concreto, para pousá-las depois, niveladas. Subsidiado pelo clube e cortando a margem de lucro, faz o serviço por uns 600 reais. Ainda assim, alguns dos moradores gastaram em reformas mais do que tinha lhes custado a casa. Entre finais de 98 e 2000, a Colina aterrissou no mundo do possível.



Foi também quando a insatisfação começou a aparecer ligeiramente, sussurrada ao pé do ouvido entre vizinhos. Quanto mais gente vinha morar na Colina, mais o fato de ser propriedade de Celso e Paula incomodava. Afinal, o dinheiro das concessões ia para ele, que repassava para o lugar, mas controlava tudo. E como cada título rendia um voto e ele tinha bem mais que qualquer um, sempre monopolizou as decisões. "O Celso", Marcio lembra, "tratou a colina como a um filho que só podia fazer o que o pai deixava." Ele tinha uma rapidez de raciocínio, um carisma, capaz de convencer a todos. Certa vez, para a tevê portuguesa, deixou o repórter atônito ao dizer "aqui no Brasil, sempre andamos todos nus, foram vocês que nos vestiram."





Verônica e Eta, em frente a sua loja



Próxima parte - Todos pelados na casa do sogro

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