quinta-feira, 10 de fevereiro de 2005

Parte V - O contato físico é proibido

Matéria realizada pelo repórter Pedro Dória, do site no mínimo.


O contato físico é proibido

Organizada de forma que lembra Brasília, a Colina divide-se em setor comercial, duas asas residenciais, e um grande núcleo de lazer onde há um lago artificial com praia de areia e uma piscina feita em pedra, o restaurante, o hotel e um prédio com a central de Internet, a academia, sauna e alguns quartos baratos para alberguistas. Como opção intermediária, há também o camping de Tuca.

Há alguns anos, quando a tevê portuguesa esteve lá, Marcelito e Iara ganharam popularidade internacional. O documentário, que os apresentou como Adão e Eva da Colina, estourou a audiência e atiçou polêmica por semanas pelo fato de o repórter ter-se despido, vindo a ser obrigado a enfrentar a ira conservadora em programas de auditório. Seu patrão gostou tanto que o promoveu.

Hoje aos 30 anos, Marcelito é o conselheiro de ética da vila. Às vezes, precisa resolver o tipo de problema que naturistas consideram gravíssimos. Não faz nem uma semana, ele flagrou um rapaz e sua namorada enlaçados aos beijos, ele ereto, camisinha ao lado, próximos à piscina. Foram expulsos, seus nomes caíram numa lista negra, banidos de todos os recantos naturistas do Brasil. Casais naturistas não se beijam e não se abraçam a não ser dentro de casa, o contato físico mais próximo simplesmente não é possível. E há crianças circulando. Esse tipo de situação é rara, na maioria das vezes as disputas são entre vizinhos que, para evitar o bate-boca, dirigem-se a Marcelito para a intermediação.

E discussão, na Colina do Sol, como na aldeia de Astérix, não tem nada de raro. Junte-se dois gaúchos e, como na piada dos dois judeus, surgem três opiniões. Todo gaúcho é do time vermelho ou do branco, queira isto dizer maragato ou pica-pau, colorado ou gremista, petista ou anti-petista – e defende com verve suas opiniões.

Mas a maior verve não é de nenhum gaúcho, é a de Jürgen Wendscheck, que todos conhecem por Jorge, um alemão de 63 anos, radicado há décadas no Brasil e que bem preferia viver no sol nordestino, mas não há lugar como aquele no litoral norte. Tem fama de quem não pára de reclamar. Careca, olhos puxados, invariavelmente acompanhado da bela Solange, 23 anos, uma negra retinta que é a segunda baiana com quem casou – "não gosto de brasileiras, gosto de baianas" – é dos que como Eta e Tuca andam sempre nus. No caso dele, em quem casca alemã substitui a pele, isso vale mesmo para quando a temperatura cai. Não suporta inverno. Passa o verão na Colina e o inverno num resort naturista de seu país, onde é verão. E vocifera, ergue-se, faz discurso na roda de cerveja e cachaça do mercadinho.

"Naturismo não é natural. Todo nudista tem que ser masoquista, você tem que ficar se reprimindo sexualmente o tempo todo, porque não dá para ser diferente. Só uma minoria é nudista e a minoria sabe que há algo de errado com isso, fica insegura. Eu não tiro a roupa só por tirar, isso de vestir-se, mesmo que pouco, é uma tendência muito chata no mundo todo. Os outros estão vendo? Não tiram o olho? Ver não tira pedaço, que vejam. Hoje, tem praia nudista na França a que alemão não vai mais, porque as pessoas estão com camisa, querem mostrar o Lacoste no peito. Quando você está nu, é só você, ninguém sabe se tem dinheiro ou se não tem, mas, quando bota a roupa nos campos naturistas, está cedendo à cultura têxtil e ao status e à moda que vêm junto."


Solange e Jorge: vida entre a Colina e a Alemanha

Próxima parte - A canga é uma questão de higiene

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